"Eram quase meio dia, no lado escuro da vida..." (CAZUZA)
Os minutos continuam passando, horas, dias... A velocidade é o que realmente assusta.
A aceleração é permanente desde a infância. O pedal travou no máximo, não alivia.
Os freios não funcionam. Nunca funcionaram, aliás. Motivos para tentar freio motor sobram. Sempre sobraram, assim como a teimosia em aceitar isso.
Coragem, medo, desilusão, esperança, todas essas coisas fúteis, desapareceram. Apenas os pesadelos, intensificados, ficaram. Sem qualquer alívio, como se já não fossem ridiculamente aterrorizantes.
Sua fé, que jamais deveria ter sido semeada ou cultivada, foi brutalmente extirpada, tolhida, por aqueles que deveriam lhe servir de esteio e amparo.
A solidão, outrora angustiante, hoje é reconfortante. A ilusão de acreditar deu espaço ao ceticismo cortante, destilado. Hoje tem consciência de não fazer a menor importância quão esforçado seja para dar e fazer o seu melhor para ser aceito por aqueles a quem quer bem e ama. Sempre foi, é e sempre será um hercúleo e vão esforço.
Desvencilhou-se da rotina dos seus desejos, dos mais comuns aos mais sórdidos. Seus anseios e arroubos juvenis foram saciados. Não aprende mais nada, por mais que tente. A memória recente insiste em lhe faltar e, sarcasticamente a de longo prazo não o abandona.
Já não sente vergonha por ter sido feliz à sua maneira, muito pelo contrário. Ao olhar para os caminhos percorridos lembra... lembra... lembra... A ponto de sentir o toque acetinado e quente que ainda deixa seu rosto rubro.
Percebe-se menos afoito. Sabe que seus erros e acertos fizeram dele alguém mais embrutecido, calejado, ao mesmo tempo mais delicado e sensível.
As lágrimas contidas pela necessidade de ser forte na mais tenra idade, despejadas durante sua vida adulta, secaram. O sorriso cínico e provocador deu espaço a uma fisionomia suave ao chegar na meia idade.
Aos poucos o desgate da intensidade vai impondo seu preço. Sabe que já não resta muito tempo e, ao invés disso o desesperar, faz com que ele entenda que deve investir cada segundo, cada momento amando. A necessidade de sempre estar lutando, de não poder ver pessoas calmas, sejam quem forem, vai dissipando. Sabe que precisa de paz, sempre soube disso, mesmo nunca tendo aceitado.
Tempestade ou calmaria não o assustam como dantes. Apenas segue em frente. E está tudo bem!
A saudade, sempre tão tensa, densa e intensa, deu lugar às lembranças. Escolheu abandonar o jugo ocre da dor agarrando-se ao aroma doce dos ótimos momentos vividos.
Escuridão e luz internalizadas finalmente equalizaram. Já não se degladiam tentando dominá-lo. Flerta com vida e morte cada vez mais, entretanto com muito mais respeito.
A rua já não o assusta como um dia assustou. Sabe que não importa o que acontecer, nada é permanente.
Ama. Machuca e é machucado, de formas distintas, obviamente. Simplesmente ignora a dor. A cura nunca vem. As cicatrizes, mesmo curadas, de tempos em tempos abrem. A diferença é ter hoje a certeza de que é amado incondicionalmente, permitindo que seja ele mesmo.
Fisicamente sabe que carrega o peso de seus 1350 anos vividos e, conforme as lembranças vão intensificando e sendo trazidas à tona, percebe que os últimos quase 50 foram o tempo que pediu para descansar. Tem em suas mãos a decisão de finalmente contar sua história - e a daqueles que confiaram as suas a ele - ou de partir e dormir por mais alguns anos.
Entende que fez a escolha certa, mesmo sendo o único que despertou. Aguardará que o torpor abandone o outro para então libertarem-se das inconvenientes amarras a eles impostas...
hehehe
9 dias

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Quebra-cabeças

ESPECIAL

TENHO AMIGOS